Crianças desenhavam e Naira criou um cenário com céu, sol, mar, peixinhos e uma enorme baleia rosa. Elias, ao seu lado, gritou: “Tá errado! Baleia não pode ser rosa”. A menina respondeu: “a minha baleia pode ser rosa sim!” A cena cotidiana numa escola de educação infantil retirada do diário de observações de estágio de uma aluna provocou nosso interesse e reflexões sobre infâncias e suas especificidades, sobre as produções subjetivas realizadas nas infâncias e sobre o trabalho com arte na Educação Infantil. Objetivamos refletir a experiência infantil e pensar a educação de crianças pelas interações com as múltiplas linguagens da arte e suas expressões culturais. Nossa discussão é inspirada em Vigotski (2018), especialmente em Criação e Imaginação na Infância, por indicar que o predomínio da criação se apresenta no desenho e na teoria crítica da cultura e da modernidade de Benjamin
(1994) com a noção de experiência e ideias sobre criança e infâncias, considerando as contradições que lhe são inerentes. Sua ideia de experiência infantil se distingue da vivida pelos adultos, na medida em que crianças possuem formas peculiares de ser/estar no mundo. Mediante esses eixos, buscamos refletir sobre a apropriação da cultura, na atividade da criança/sujeito que se desenvolve; sobre o quê? E, como? Os pequenos indicam a captura e
apropriação de conceitos cotidianos e científicos em ações emancipatórias e na construção da sensibilidade estética. A narrativa da criança pré-escolar é um elemento disparador de estudos que realizamos no Núcleo de Pesquisas e Estudos em Educação e Infâncias com escolas de educação infantil num município do noroeste fluminense. Os encontros criam espaços de fala em que debatemos temas concernentes aos projetos universitários desenvolvidos. Tecemos aqueles voltados para as infâncias e os analisamos numa perspectiva histórico-cultural associada a caminhos pedagógicos que encontrem crianças e culturas infantis como espaços de trocas e aprendizagens para construções de conhecimentos por meio de experiências. Retiramos da experiência pedagógica o valor da narrativa enquanto instrumento metodológico e enquanto promotora de conhecimentos. Debatemos temas concernentes aos projetos universitários desenvolvidos e tecemos com as escolas, propostas e ações como o caso discutido nesse estudo. Nossa metodologia se apoia num estudo qualitativo com narrativas infantis sobre suas produções no espaço escolar como ferramenta científica para compreender e atribuir significados à experiência humana (BOGDAN, BIKLEN, 1994). A narrativa é priorizada para dar sentido à criação e imaginação das crianças em seus trabalhos, na medida em que apresentamos eventos passados pela nossa perspectiva - do narrador – com uma visão à posteriori daquilo que ocorreu. No contexto educativo, a narrativa se apresentou como um meio de aprendizagem e também de investigação, porque nos ofereceu uma forma de ligar o conhecimento prático e pessoal com as perspectivas profissionais e fornecer-nos uma base para a reflexão crítica. A cena descrita disparou reflexões sobre a arte na infância e as construções relativas às culturas infantis expressas por múltiplas linguagens, como a arte e a
narrativa enquanto formas de expressão. Autores interacionistas como Vigotski referenciam os conceitos de linguagem enquanto construção humana que permite, por meio dos signos,
expressar o pensamento e conceitos cotidianos e científicos. A narrativa de Naira diante de
sua arte, versus a construção de Elias indicam como crianças capturam, se apropriam e representam o mundo de modo simbólico. Vigotski (2018) afirma: “desenhar é um tipo predominante de criação na infância”; logo, baleia rosa é a criação artística e estética dada à baleia da Naira, que inexiste para Elias. Daí pensarmos o desenvolvimento artístico e as possibilidades de expressão. As ações de crianças nos levam a perceber que a experiência de
desenhar é uma forma de brincar e de se expressar e inferimos que desenhar e brincar têm um caráter lúdico. Crianças herdam ao nascer a cultura onde estão inseridos, desde a linguagem, os símbolos e signos e os instrumentos de sua época, que atuam nos planos biológicos e psíquicos. A criança se adapta à sociedade nos planos históricos e culturais e, constitui por essa via, novas formações psíquicas. Parafraseando Vigotski (2007), desenvolve os processos mentais superiores como: pensamento, memória e linguagem. Naira desenha a baleia rosa conforme sua imaginação. Já Elias, expressa seus conceitos, certamente por sua memória e pela construção de conceitos de uma baleia diferente, de outra cor, que só para ele faz sentido.
Dessa narrativa/discurso das crianças retiramos questões: Seria a pobreza de estimulações de Naira que a levaram a desenhar uma baleia rosa, inferidas por Elias? Ou seria a capacidade imaginativa de Naira? Ou ainda, as nossas verdades (sempre provisórias) que cada criança vai construindo conceitos e elaborações sobre o mundo que as cerca e sobre a arte? Vigotski, em seus estudos sobre o desenho infantil, faz referência às produções das crianças, propondo fases na evolução dessa construção. Neles apresenta um caso: solicitado um desenho de sua mãe sentada, a criança a desenha de memória sem olhar para a mãe sentada próxima a ela. Isso indica que a criança desenha o que sabe sobre a mãe e/ou outros objetos, e não exatamente como são e onde estão. Segundo o autor, a evolução se dá pela capacidade de visão, depois das experiências táteis até a percepção que constrói do mundo. A criação de Naira é espontânea, representa sua visão e percepção de mundo, suas singulares concepções sobre a baleia representada em seu desenho. Logo, imaginar tem um valor libertador, pois dá para a criança a capacidade de se libertar das imagens primeiras. Sobre as culturas das infâncias, destacamos a vida rica de fantasia e imaginação que envolve um vasto e subjetivo acervo de experiências com sensações, afetos e percepções. Brougère (2010) nos ajuda a entender o lugar de emergência e de enriquecimento da cultura pensado fora dela como expressão por excelência da subjetividade livre de qualquer restrição. A cultura nasceria de uma instância e de um lugar marcados pela independência, sob a égide de uma criatividade que desabrocha sem obstáculos. Pensamos também na pluralidade de concepções sobre arte e educação para compreender a multiplicidade de fatores que influenciam nos códigos de comportamentos e projeção como ocorre na arte infantil. Segundo Kerr (2011), as artes podem ser entendidas de múltiplas formas, como criação humana ou resultados de momentos de inspiração; como processo de recriação da realidade ou diferentes modos de desvendá-la
ou ainda como instrumentos de transformação do modo como percebem o mundo ao despertar processos de ver, ouvir e sentir que transcendem a realidade. Daí a necessidade de despertar para caminhos e concepções sobre arte na infância a serem pensados, mantidos e/ou reformulados. Nas escolas e na formação de professores se observa a arte desvinculada da criação e como algo a ser ensinado, distinta da possibilidade de expressão. Outras vezes, técnicas são ensinadas às crianças para que reproduzam em sala de aula, igualando arte a uma receita a ser seguida. Isso, aumenta a probabilidade de bloqueios na expressão natural e na criação e imaginação infantil. Acúmulo de conhecimentos técnicos e a arte pouco discutida dissociam o desenvolvimento da singular expressão artística da criança, de modo a valorizar a arte enquanto um conhecimento formal. Nossas questões se justificam por colocarem em evidência o aprofundamento de estudos sobre a expressão e criação pela arte na Educação Infantil como um meio para a humanização e emancipação das infâncias.
AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE VIÇOSA-MG SÃO DETERMINADAS PELAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NACIONAIS: RELAÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO
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