“Precisamos descolonizar não apenas os pensamentos e os corpos, mas precisamos descolonizar o olhar desta cegueira monocular. Não é possível descolonizar o olhar sem trazer outros corpos e narrativas para estar presentes nas telas do cinema. Só assim será possível descolonizar e contar uma outra história, narrada por nós mesmos”.
Célia Xakriabá
Os participantes do XI Fórum da Rede Kino – Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual, reunidos na 14ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, renovam o compromisso com a defesa intransigente da Democracia e dos Direitos Civis Humanos, dos Territórios e das Culturas Nacionais e Regionais, reafirmando a potência das diferenças na diversidade e o papel do cinema, do audiovisual e da educação no combate aos sistemas que sustentam as opressões e as desigualdades.
Considerando que a Rede Kino tem seu fórum anual na CineOP (Minas Gerais), e que a temática da Mostra nessa edição foi sobre Territórios Regionais, Inquietações Históricas, queremos nos referir também à mãe-terra. Neste caso, para denunciar os crimes ambientais causados pela Samarco e Vale, cujas ações visando apenas o mercado, tem desconsiderado riscos e fragilidades e a vulnerabilidade dos moradores desses espaços. Da sua relação vital com as terras como preservação da sua existência, história, memória e cultura. Estes crimes além de constituírem genocídios em massa, também destruíram a fauna e flora locais, afetando profundamente também o ecossistema de ambos locais.
Em um cenário tão adverso como o atual, a 14ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto e os eventos que a compõem, foram sonhos coletivos e corajosos, que exigiram resiliência, empenho e muito trabalho de uma equipe engajada na sua concretização. Consideramos imprescindível destacar nosso agradecimento aos profissionais que tornaram o sonho possível.
Dos pontos da carta de 2018, destacamos que as mesmas pautas permanecem atuais e urgentes e precisam ser reafirmadas. Se em 2018, nos manifestamos contrários ao Estado de Exceção, instituído após o golpe de 2016, hoje nos posicionamos na defesa veemente dos direitos humanos, da educação pública gratuita, laica e de qualidade para todos e todas, reafirmando assim a escola como espaço de resistência. Reiteramos a denúncia aos frequentes ataques à cultura e à educação, identificados na extinção do Ministério da Cultura e nos cortes dos orçamentos das instituições federais de ensino, o que inviabiliza programas de pesquisa, ensino e extensão, indispensáveis na garantia de uma educação de qualidade.
Por conta da ausência do poder público, a Rede Kino reitera o seu objetivo de contribuir para fortalecer a formação de professores e professoras na América Latina, facilitando o acesso a projetos de cinema, audiovisual e educação, em contexto formal e não formal, além de organizar um acervo licenciado disponível no site da rede, retomando o desejo de constituição de um Acervo Audiovisual Escolar Livre (AAEL) por meio de mobilização e contribuição de pesquisadores, produtores e realizadores na/da educação, do cinema e do audiovisual como uma forte estratégia de ocupar e resistir.
Afirmamos, enquanto rede, o compromisso de promover eventos e encontros de discussão, de formação e abordagem dos projetos com reverberação regional, nacional e internacional, sempre contando com a participação das pessoas que já se encontram atuantes nesse grupo e ampliando o convite para novas adesões em todos os países da América Latina.
Também propomos fortalecer a comunicação entre diferentes representantes da rede, fazendo uso e atualização do site e redes sociais já existentes. Além de buscar a regionalização da Rede Kino, conectando projetos de cinema e educação e promover eventos e encontros regionais na tentativa de manter uma coordenação horizontal, diversa e democrática.
Manifestamos ainda o interesse da Rede Kino em ampliar as relações latino-americanas, promovendo aproximações às produções e projetos dos países que nos fazem fronteira. Destacamos a presença permanente de convidados internacionais desde o primeiro fórum da Rede Kino em 2009, a saber, México, Argentina, Chile, Cuba, Equador e Uruguai, cujas presenças continuam nos acompanhando trazendo suas instituições e experiências para o encontro.
Diante do tema específico de 2019, que promovia a discussão sobre mulheres, terras e movimentos, discutiu-se a visibilidade e invisibilidade da mulher na produção audiovisual e cinematográfica, em diferentes formas de existir, seja como mulher negra, indígena, quilombola, marginalizada, silenciada ou violentada. Os diferentes projetos apresentaram diversas e ricas abordagens de como a existência da mulher pode ser discutida, documentada, filmada, desconstruída e reconstruída, em outras palavras, produzida. Percebemos a necessidade de fortalecer este debate e que não há como fazê-lo, sem discutir as questões de gênero, feminismo, territórios, fronteiras, ancestralidade, espiritualidade, comunidade, tão presentes na diversidade entre povos e etnias do nosso país. Por causa disso, foi definida, portanto, a criação de um fórum permanente para discutir essa questão.
Com vontade de fazer acontecer, estas são nossas proposições para o próximo ano. Continuamos com o desejo de que a rede permaneça com esta laboriosa trajetória de construção coletiva e que possamos unir forças para enaltecer as potências que unem o cinema, audiovisual e educação, como gesto de resistência a todas as catástrofes que nos ameaçam.
Ouro Preto, 10 de junho de 2019.
Rede Kino – Rede Latino Americana de Educação, Cinema e Audiovisual