Os participantes do IX Fórum da Rede Kino – Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual, reunidos na 12ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, reafirmam a defesa da democracia e dos direitos civis humanos, das culturas nacionais e regionais e o compromisso com a democratização do audiovisual no Brasil e na América Latina.
Se antes vislumbrávamos algum respaldo de políticas públicas, hoje enfrentamos um cenário inóspito em que a Lei 13.006, sobre a qual nos debruçamos nas últimas edições, é um ponto de diálogo e referência para a continuidade dos trabalhos de cinema e educação e a cinematografia nacional. Com a atual crise política, este ano não temos um espaço de diálogo no nível governamental nos Ministérios da Educação e da Cultura. Diante desse cenário, vimos a necessidade de fortalecer e ampliar o debate com os interlocutores da própria rede, mobilizando também novos agentes, universidades, escolas, projetos formais e não-formais, secretarias de educação municipais e estaduais para a continuidade do trabalho e da pesquisa com cinema e educação em diferentes esferas.
Neste ano, a abordagem temática da educação no IX Fórum da Rede Kino – 12a CineOP foram as Emergências Ameríndias. Diante do desmonte do Estado e do perverso jogo de poderes institucionalizado nas esferas políticas e do capital, a sobrevivência dos povos originários torna-se a ponta ainda mais frágil. Desconsidera-se a existência de 305 etnias, 274 línguas e uma população de cerca de 900 mil indígenas pelo interesse latifundiário e do agronegócio. O genocídio, o etnocídio, o preconceito e o ataque constante que sofrem demandam que as questões indígenas entrem em nossa agenda política, cultural e educativa com urgência.
Tendo em vista que grande parte da população só enxerga o indígena a partir de imagens que dele são produzidas – em geral imagens estereotipadas, etnocêntricas e criminalizadoras -, destacamos a magnitude que essas imagens possuem e a necessidade de produções simbólicas mais adequadas às suas cosmovisões e modos de vida.
Nesse sentido, os filmes produzidos por, sobre e com os indígenas são uma forma de luta, ocupação estética e descolonização do olhar e necessitam estar presentes nas espaços de formação para desestabilizar a nossa percepção de mundo. Reafirmamos o quanto esses filmes, inseridos em contexto educativo, podem provocar o reconhecimento dos povos indígenas, por essa razão encaminhamos propostas que considerem a relevâncias dessa produção fílmica. A partir destes encontros com diferentes experiências estéticas e dos diálogos estabelecidos durante o IX Fórum da Rede Kino, os participantes defendem:
– Uma educação intercultural e um Estado Multinacional, que reconheça os saberes tradicionais dos povos originários, com respeito aos modos de vida e à diversidade das etnias indígenas;
– A educação pública, em oposição a PEC 55 e o congelamento dos investimentos públicos por 20 anos e às apropriações das grandes corporações empresariais que capturam as subjetividades e doméstica sensibilidades em prol de um mercado eficaz, a mesma eficácia que serve como argumento para exterminar os indígenas.
– A necessidade de integralizar a produção indígenas às ações da Rede Kino partindo do fato evidente de que cinema indígena deve ser reconhecido como cinema brasileiro e, portanto, ser difundido em escolas, cineclubes e espaços de formação audiovisual com o propósito de descolonizar o nosso olhar e escuta.
– Destacamos as produções do Projeto Vídeo nas Aldeias, que há trinta anos tem um intenso compromisso com a formação audiovisual de diversas etnias do Brasil e cuja produção fílmica já está disponível em grande parte na internet.
– Da mesma forma, defendemos os demais bens públicos culturais, como a Empresa Brasileira de Comunicação, que vem sendo destituída pelo governo em exercício, tal como os editais e políticas públicas para o audiovisual que vinham contribuindo para regionalização e pluralização das imagens do Brasil.
– Fomentar o trabalho em rede como ação de fortalecimento e ampliação das atividades da Rede Kino em suas relações regionais, latino-americanas e também na conexão com outros países de língua portuguesa.
– Questionamos como a Base Nacional Curricular (BNCC) comum traz o cinema apenas tangencialmente, diante da sanção da lei 13.0006/14 e sugerimos enfaticamente sua inclusão como componente curricular ou como subcomponente curricular das Artes Visuais. O cinema e o audiovisual são transdisciplinares no desenvolvimento de habilidades e competências específicas a serem experimentadas como conteúdo na grade oficial e-ou diversificada dos currículos escolares.
– No que concerne à regulamentação e implantação da Lei 13.006/14, a Rede Kino solicitará ao Conselho Nacional de Educação que dê atenção e fomente o diálogo com as questões apresentadas no documento produzido pelo Grupo de Trabalho de Cinema Escola que já lhe foi encaminhado em 04/05/2016 e com o acordo de cooperação MinC/MEC.
Precisamos esclarecer que as diversas iniciativas de democratização do audiovisual já estão em curso pelo país independente da criação da Lei, por isso, contamos com o comprometimento das instâncias governamentais no sentido de considerar os trabalhos, as pesquisas e as articulações já existentes. A regulamentação e a efetivação da agenda consagrada na lei 13.006 representa um passo decisivo para transformarmos palavras em políticas públicas. Isso é ainda mais sensível de se dizer em um contexto de sérias ameaças das políticas educacionais do país, seja pela austeridade dos orçamentos seja pelo tolhimento da autonomia e da criatividade para propor uma educação crítica e emancipada e emancipatória.
Ressaltamos o quanto os filmes, as discussões e os encontros durante esta edição do Fórum favorecem um espaço fecundo criando condições para a emergência da produção audiovisual, da sua memória em diferentes contextos e épocas com foco especial na questão indígena. A temática ameríndia traz uma urgência que nos desestabiliza e traduz um certo desmoronamento que atenta para uma sensibilidade que tem sido exaurida. Sabemos que não há transformações que não passem por radicais mudanças sensíveis, por isso o cinema indígena contribui para nos dar fôlego. Este encontro e mostra foram históricos, pela ocupação de imagens dos povos originários, por possibilitar representantes da educação encontrarem com cineastas e artistas indígenas como Para Yxapy, Isael e Suely Maxacali, Arissana Pataxó. Destacamos também a importância do encontro com professores, estudantes, profissionais do audiovisual e todos aqueles que com suas imagens, pensamentos e ações, nos convocam a continuar. Por último, olhar para as questões indígenas não significa voltar-se ao passado apenas, mas é preocupar-se com presente, dado que os modos de vida dos povos indígenas refletem a maior biodiversidade no território nacional. E como salienta o mestre xãmanico Davi Kopenawa, se não houvesse mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele já teria desabado.
Ouro Preto, 26 de junho de 2017.
Rede Kino – Rede Latino Americana de Educação, Cinema e Audiovisual